QUESTÃO 03 -(XXXV CONCURSO PÚBLICO TRT2 - MAGISTRATURA) – Analise as seguintes assertivas relativas aos princípios norteadores do Direito do Trabalho.
I. O Juiz do Trabalho pode privilegiar a situação de fato, devidamente comprovada, em detrimento dos documentos ou do rótulo conferido à relação de direito material, em razão do princípio da primazia da realidade sobre a forma. (CORRETA)
Princípio da primazia da realidade sobre a forma
Também chamado de princípio do contrato realidade, amplia a noção de civilista do operador jurídico, no exame das declarações volitivas, deve atentar mais à intenção dos agentes do que ao envoltório formal através de que transpareceu a vontade (art. 112, CC [1]).
No direito do trabalho deve-se pesquisar, preferentemente, a prática concreta efetivada ao longo da prestação de serviços, independentemente da vontade eventualmente manifestada pelas partes à respectiva relação jurídica. A prática habitual – na qualidade de uso – altera o contrato pactuado, gerando direitos e obrigações novos às partes contratantes (respeitada a fronteira da inalterabilidade contratual lesiva).
O princípio da primazia da realidade constitui-se em poderoso instrumento para a pesquisa e encontro da verdade real em uma situação de litígio trabalhista. Não de, contudo, ser brandido unilateralmente pelo operador jurídico. Desde que a forma não seja da essência do ato, o intérprete e aplicador do Direito deve investigar e aferir se a substância da regra protetiva trabalhista foi atendida na prática concreta efetivada entre as partes, ainda que não seguida estritamente a conduta especificada pela legislação.
II. Desde que não exista proibição legal ou vício de consentimento, bem como não importe prejuízo ao empregado, são transacionáveis os direitos livremente estabelecidos pelas partes contratantes, resultantes de ajuste expresso ou tácito do empregado e empregador. (CORRETA)
Indisponibilidade de direitos: renúncia e transação no direito individual do trabalho
Renúncia – ato unilateral da parte, através do qual ela se despoja de um direito que é titular, sem correspondente concessão pela parte beneficiada pela renúncia.
Transação – é ato bilateral (ou plurilateral), pelo qual se acertam direitos e obrigações entre as partes acordantes, mediante concessões recíprocas (despojamento recíproco), envolvendo questões fáticas ou jurídicas duvidosas (res dubia).
A indisponibilidade de direitos trabalhista pelo empregado constitui-se em regra geral do Direito Individual do Trabalho do país, estando subjacente a pelo menos três relevantes dispositivos celetistas: art. 9º, 444 e 468, CLT [2] [3] [4].
Isso significa que o trabalhador, quer pó ato individual (renúncia), quer por ato bilateral negociado com o empregador (transação), não pode dispor de seus direitos laborais, sendo nulo o ato dirigido a esse despojamento. Essa conduta normativa geral realiza, no plano concreto da relação de emprego, a um só tempo, tanto o princípio da indisponibilidade de direito trabalhistas, como o princípio da imperatividade da legislação do trabalho.
A indisponibilidade inerente aos direitos oriundos da ordem justrabalhista não tem, contudo, a mesma exata rigidez e extensão. Pode-se, tecnicamente, distinguir entre direitos imantados por indisponibilidade absoluta ao lado de direitos de imantados por uma indisponibilidade relativa.
Absoluta será a indisponibilidade, do ponto de vista do Direito Individual do Trabalho, quando o direito enfocado merecer uma tutela de nível de interesse público, por traduzir um patamar civilizatório mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico. É o que ocorre, ilustrativamente, como o direito à assinatura da CTPS, ao salário mínimo, à incidência das normas de proteção à saúde e segurança do trabalho.
Também será absoluta a indisponibilidade, sob a ótica do Direito Individual do Trabalho, quando o direito enfocado estiver protegido por norma de interesse abstrato de respectiva categoria. Este último critério indica que a noção de indisponibilidade absoluta atinge, no contexto das relações bilaterais empregatícias (Direito Individual, pois), parcelas que poderiam, no contexto do Direito Coletivo do Trabalho, ser objeto de transação coletiva e, portanto, de modificação real. Noutras palavras: a área de indisponibilidade absoluta, do Direito Individual, é, desse modo, mais ampla que a área de indisponibilidade absoluta própria do Direito Coletivo.
Relativa será a indisponibilidade, do ponto de vista do Direito Individual do Trabalho, quando o direito enfocado traduzir interesse individual ou bilateral simples, que não caracterize um padrão civilizatório geral mínimo firmado pela sociedade política em um dado momento histórico. É o que se passa, ilustrativamente, com a modalidade de salário paga ao empregado ao longo da relação de emprego (salário fixo versus salário variável, por exemplo): essa modalidade salarial pode se alterar, licitamente, desde que a alteração não produza prejuízo efetivo ao trabalhador. As parcelas de indisponibilidade relativa podem ser objeto de transação (não de renúncia, obviamente), desde que a transação no resulte em efetivo prejuízo ao empregado, conforme dispõe o texto consolidado. O ônus da prova do prejuízo, entretanto, caberá a quem alegue sua ocorrência, isto é, ao trabalhador, já que não há prova sobre fato negativo.
III. O princípio da intangibilidade salarial admite exceções somente quando houver autorização expressa do trabalhador. (ERRADA – não admite exceções, considerando tratar-se do mínimo existencial, direitamente ligado a dignidade da pessoa humana)
Princípio da Intangibilidade Salarial
Estabelece este princípio que esta parcela justrabalhista merece garantias diversificadas da ordem jurídica, de modo a assegurar seu valor, montante e disponibilidade em benefício do empregado. Este merecimento deriva do fato de considerar-se ter o salário caráter alimentar, atendendo, pois, a necessidades essenciais do ser humano.
A noção de natureza alimentar é simbólica, é claro. Ela parte do pressuposto – socialmente correto, em regra – de que a pessoa física que vive fundamentalmente de seu trabalho empregatício proverá suas necessidades básicas de indivíduos e de membro de uma comunidade familiar (alimentação, moradia, educação, saúde, transporte etc.) com o ganho advindo desse trabalho: seu salário. A essencialidade dos bens a que se destinam o salário do empregado, por suposto, é que induz à criação de garantias fortes e diversificadas em torno da figura econômico-jurídica.
A força desse princípio não está, contudo, somente estribada no Direito do Trabalho, porém nas relações que mantém com o plano externo (e mais alto) do universo jurídico. De fato, o presente princípio laborativo especial ata-se até mesmo a um princípio jurídico geral de grande relevo, com sede na Carta Magna: o princípio da dignidade da pessoa humana.
Realmente, considera este princípio jurídico maior e mais abrangente que o trabalho é importante meio de realização e afirmação do ser humano, sendo o salário contrapartida econômica dessa afirmação e realização. É que envolve dimensões muito amplas, ligadas à ética, à cultura, às múltiplas faces do poder, ao prestígio comunitário etc.; mas é o salário, sem dúvida, a mais relevante contrapartida econômica pelo trabalho empregatício. Nesse quadro, garantir-se juridicamente o salário em contextos de contraposição de outros interesses e valores é harmonizar o Direito do Trabalho à realizações do próprio princípio da dignidade do ser humano.
IV. Em consonância com o princípio da intangibilidade contratual objetiva, o conteúdo do contrato de emprego não poderia ser modificado, ainda que ocorresse efetiva mudança no plano do sujeito empresarial. (CORRETA)
Princípio da Intangibilidade Contratual
Tal diretriz acentua que o conteúdo do contrato empregatício não poderia ser modificado (como ressaltado no princípio da inalterabilidade contratual lesiva), mesmo que ocorresse efetiva mudança no plano do sujeito empresarial. Ou seja, a mudança subjetiva perpetrada (no sujeito-empregador) não seria apta a produzir mudanças no corpo do contrato (em seus direitos e obrigações, inclusive passados). Trata-se de sucessão trabalhista, como se percebe (também conhecida como alteração subjetiva do contrato de trabalho). O contrato de trabalho seria intangível, desde que a mudança envolvesse apenas o sujeito-empregador.
Na verdade, como se nota, a referência básica é o princípio da inalterabilidade contratual lesiva (a mudança do polo passivo do contrato de emprego não pode consumar lesividade ao obreiro, pela perda de toda a história do contrato em andamento; por isso, dá-se a sucessão de empregadores). O recurso a denominação distinta é mero instrumento para se acentuar o aspecto não alterado (todo o conteúdo do contrato) em contra-ponto com o aspecto de mudança (o sujeito empresarial do contrato).
V. O princípio da continuidade do contrato de trabalho constitui presunção favorável ao empregado, razão pela qual, o ônus da prova quanto ao término do contrato de trabalho é do trabalhador, nas hipóteses em que são negadas a prestação dos serviços e o despedimento. (ERRADA – ônus da prova e do empregador)
Princípio Continuidade do Contrato de Trabalho
Informa tal princípio que é de interesse do Direito do Trabalho a permanência do vínculo empregatício, com a integração do trabalhador a estrutura e dinâmica empresariais. Apenas mediante tal permanência e integração é que a ordem justrabalhista poderia cumprir satisfatoriamente o objetivo teleológico do Direito do Trabalho, de assegurar melhores condições, sob a ótica obreira, de pactuação e gerenciamento da força de trabalho em determinada sociedade.
Em que pese tal princípio perder parte de sua força com a instituição do FGTS em 1967, e posterior institucionalização em 1988, com a Carta Magna, este ainda cumpre razoável importância na ordem jurídica trabalhista brasileira.
Aqui comentamos que faz-se presumida a ruptura mais onerosa ao empregador (dispensa injusta), caso evidenciado o rompimento do vínculo; coloca, em consequência, sob ônus da defesa, a prova da modalidade menos onerosa a extinção do contrato (pedido de demissão ou dispensa por justa causa, por exemplo). Faz presumida também a própria continuidade do contrato, lançando ao ônus da defesa a prova de ruptura do vínculo empregatício, em contextos processuais de controvérsia sobre a questão.
Está correto afirmar que:
A) Apenas as proposições I e IV estão corretas.
B) Apenas as proposições II e III estão corretas.
C) Apenas as proposições III, IV e V estão corretas.
D) Apenas as proposições I, II e IV estão corretas.
E) Todas estão corretas. [1] Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.
[2] Art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, salvo disposição especial expressamente consignada.
Parágrafo único - Computar-se-ão, na contagem de tempo de serviço, para efeito de indenização e estabilidade, os períodos em que o empregado estiver afastado do trabalho prestando serviço militar ... (VETADO) ... e por motivo de acidente do trabalho.
[3] Art. 444 - As relações contratuais de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes interessadas em tudo quanto não contravenha às disposições de proteção ao trabalho, aos contratos coletivos que lhes sejam aplicáveis e às decisões das autoridades competentes.
[4] Art. 468 - Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.
Parágrafo único - Não se considera alteração unilateral a determinação do empregador para que o respectivo empregado reverta ao cargo efetivo, anteriormente ocupado, deixando o exercício de função de confiança.
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